A menina boazinha de quem todo mundo gosta

Críticas negativas e uma noção saudável de autovalor

Ana Carolina Santos
Caracoles

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Logo no começo do documentário Miss Americana, disponível na Netflix, Taylor Swift fala sobre como durante toda sua vida, desde criança, ela foi vista como “a good girl”, uma menina boazinha. E que, inconscientemente, ela se alimentava dessa aprovação das pessoas. E por isso foi tão difícil quando, em 2016, ao longo do imbróglio com o Kanye West e com a Kim Kardashian, boa parte do mundo estava contra ela, achava que ela era má, manipuladora e mentirosa.

Como alguém pode achar essa fofura má, manipuladora e mentirosa? 🥺

Na época em que esse documentário saiu, no início de 2020, eu fiquei sensibilizada pela situação da Taylor, mas não me identifiquei de pronto. Foi só quase dois anos e muitas sessões de terapia depois que eu entendi que sempre fui essa menina boazinha de quem todos gostam. E que buscava a aprovação dos adultos o tempo todo.

Veja bem, eu sou uma adulta. Tenho 25 anos de idade. Sou legalmente adulta há 7 anos. Já deveria estar acostumada, certo? Mas não tô. Sinto que minha idade mental é uns 17 anos. E eu sou essa adolescente (ou pós-criança) cujo ego, ou melhor, cuja personalidade se constrói a partir dos elogios dos professores por ter tirado 10 na prova, elogios dos meus pais por ser tão inteligente e boa aluna. Elogios dos pais dos amigos, que queriam ter uma filha assim.

Uma rápida anedota: quando eu era criança, a mãe de um dos meus melhores amigos me deu um CD original do Rouge, aquele que tinha glitter rosa, super lindo, e deu o CD pirata pro filho dela.

Só depois de muito tempo que vi o documentário da Taylor, entendi que esse Complexo da Boa Menina é algo sistêmico, que acontece com basicamente todas as mulheres. Nós somos criadas pra sermos essas meninas boazinhas. E pra continuarmos sendo meninas boazinhas, mesmo depois de adultas. A quem isso beneficia? A quem interessa que você seja uma menina boazinha que não questiona nada? Que busca o tempo todo ser agradável no trabalho, por exemplo?

Esse clique só veio pra mim há poucos meses, quando comecei a consumir mais ativamente conteúdos produzidos por mulheres feministas no Instagram e em podcasts, como o perfil da jornalista Dani Arrais no Instagram, que fala muito sobre Síndrome da Impostora, e o podcast Calcinha Larga, no Spotify.

Claro que antes eu já consumia conteúdos produzidos por mulheres na internet. Mas, do meu ponto de vista, é muito recente que a gente comece a dividir nossas angústias com o mundo e, que nesse dividir, a gente encontre outras mulheres que passam pelas mesmas coisas. E é aí que a gente vê que nada é por acaso. É tudo por causa do patriarcado.

Foi o sistema opressivo a mulheres que fez a Taylor Swift se recolher da mídia por um ano inteiro, entre 2016 e 2017. É o mesmo sistema que fez com que eu fosse essa menina agradável que se acreditava tímida por quase toda a vida. E hoje eu vejo que nunca fui tímida, sempre fui muito comunicativa, espontânea e empolgada. Mas, ao longo da minha vida, fui convencida de que era tímida, e isso de alguma forma me tolheu.

Quando lancei o primeiro episódio deste podcast, há mais de um mês, mandei pros meus amigos ouvirem. Dentre eles, uma amiga feita recentemente pelo Instagram. Mais tarde, nós nos falamos por telefone e ela me contou o que achou do podcast. E é claro que eu esperava elogios. A maior parte dos feedbacks que recebi foi dizendo que riram muito etc.

Mas pra minha surpresa — e estraçalhamento do meu ego — vieram críticas negativas. Ela disse que eu falo rápido demais (o que eu discordo) e que minhas ideias se atropelam, fazendo com que eu emende um assunto no outro e não conclua nada (o que eu concordo). Disse que não gosta do meu humor (esse golpe foi bem duro) e que eu fui pouco generosa com o livro (o que, novamente, discordo. Deixei claro que só havia lido 33 páginas, então muitas das minhas opiniões e achismos rasos poderiam vir a mudar — inclusive, eu devo terminar o livro lá pra março de 2022, porque ainda estou na página 46.)

O problema não foi a crítica em si. Afinal, eu pedi por ela. Perguntei o que ela havia achado do episódio. Mas a importância desmedida que eu dei à opinião de uma pessoa que eu mal conhecia. A gente tava trocando ideia há… três dias. Fiquei bastante mexida com essa conversa. Marquei terapia e psiquiatria pro dia seguinte. Cogitei desinstalar o aplicativo do Instagram, talvez até excluir minha conta.

Na sessão de terapia, entendi algumas coisas sobre mim: eu me acostumei a ser aplaudida, e minha opinião sobre mim e sobre o que eu produzo está muito atrelada ao que os outros pensam de mim e do que eu produzo. O que é um grande problema. Só muita terapia na cabeça pra construir uma ideia mais saudável de autovalor.

Nesse momento — hoje é dia 5 de outubro de 2021 — , eu tenho escrito coisas de que gosto: poemas, ensaios, contos e os tenho publicado no Medium e no Instagram. Tenho tirado fotos de que gosto. Até gravei sem querer um podcast, e eu gostei e publiquei. E é um podcast sem linha editorial, mas eu sempre quis ter um podcast pra falar sobre tudo e nada.

Tenho gostado de criar. Tenho gostado do que produzo. E não tenho tido medo de dividir isso com as pessoas. Mesmo que eu tenha o feedback de cinco pessoas, de cinco amigos meus. Ou três amigos meus e dois semiconhecidos. Independentemente dos aplausos, curtidas e comentários, gosto de saber que tenho “atingido” pessoas. E quero aprender a lidar com críticas negativas que eventualmente vou receber deles, de conhecidos e de desconhecidos. Quero que minha opinião sobre mim mesma tenha fundação sólida dentro de mim. Que o fato de que eu gosto do que eu produzo baste.

Instagram: @caracolespodcast
Disponível em outras plataformas de streaming.

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Ana Carolina Santos
Caracoles

Leitora e escrevedora de transporte público. Faço o podcast Caracoles: https://linktr.ee/santosacarolina