Carta para a minha criança interior

Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2024

Ana Carolina Santos
2 min readFeb 29, 2024

Carolzinha,

É a primeira vez que escrevo para você e não sobre você. É um pouco estranho. Tempos atrás eu até acharia meio ridículo. Mas não acho mais. Acho necessário. Eu nunca estive tão em contato com você quanto estou agora. Te sinto viva, viva em mim. Quando sorrio, quando choro. Quando sinto alegrias nunca antes sentidas. E quando sinto dores inéditas. Tenho 27 anos, farei 28 em poucos dias. Mas estou experienciando coisas pela primeira vez. Coisas que grande parte das pessoas vivenciam pela primeira vez na adolescência. E é assustador. Ô, como é assustador. Tenho medo de tudo. Estou com muito, muito medo. Medo de me machucar. Medo de estar sendo feita de boba. Lembra quando você queria ir no balanço e aquelas meninas pequenininhas, que tinham metade do seu tamanho, te faziam de boba? Fingiam que iam sair do brinquedo, mas voltavam correndo pra te impedir de brincar. Então. Acho que o que sinto é medo disso se repetir. Tenho quase 28 e nunca me esqueci disso. Como nunca me esqueci da sensação de ser esquecida na escola. O papai não ia buscar a gente, a vovó tava em casa, mas não ia buscar pra “ensinar uma lição” pro papai. E quem sofria era a gente. Horas e horas esperando. Ou vai ver eram minutos, eu não sei. A sensação era de horas. De total e irreparável abandono. E eu sinto medo desse abandono até hoje. Quando o objeto do meu afeto demora mais do que a usual hora pra me responder no WhatsApp, é isso que eu sinto. Não gosta mais de mim, me esqueceu na escola. Mas ele só tava dormindo. Ou assistindo às aulas da faculdade. Minha consciência lista todas as razões lógicas pra essa demora — as pessoas têm uma vida!!!11 Têm coisas pra fazer!!!11 Inconscientemente, contudo, eu sou aquela garotinha de 3, 4 anos esperando pelo pai na escola, brincando sozinha no balanço. A brincadeira mais miserável de todas. Relacionar-se com pessoas é muito difícil, Carol, muito difícil. Às vezes me dá vontade de brincar sozinha no balanço. O balanço não é como a gangorra, que necessita de outra pessoa pra funcionar. No balanço, você pode dar seu próprio impulso no chão e ir o mais alto que conseguir. Mas é mais legal quando tem alguém te empurrando. E mais legal ainda quando tem alguém se balançando ao seu lado. Quando vocês estão se balançando paralela ou alternadamente e fica aquele desenho bonito. Estou aprendendo a brincar junto. Quero te chamar pra brincar também.

Com amor,
da sua adulta, Ana

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