Carta para Elena

Rio de Janeiro, 12 de julho de 2022

Ana Carolina Santos
5 min readJul 13, 2022

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Foto de Clifton Henri

Elena,

Vou fazer 27 anos de idade no ano que vem. Vinte e sete me parece a primeira das idades adequadas para ser mãe (fonte: Times New Roman). Mesmo que eu não tenha emprego. Mesmo que eu não tenha um companheiro. Mesmo que eu more com a minha mãe.

Olha, não é que eu vá começar a transar sem camisinha por aí pra poder engravidar de você. Não é isso. É só que, se acontecer de eu engravidar acidentalmente, não vai ser uma tragédia tão grande. Acho que ficaria… feliz, até.

No fim de 2021, eu vomitei duas vezes. Tinha quase certeza de que era intoxicação alimentar, mas ainda assim fiquei com uma esperançazinha de ser gravidez. Fiz o teste e deu negativo. Sua avó e eu comemoramos, mas lá no fundo sentimos uma pontinha de decepção.

Tenho ouvido muitos podcasts sobre psicanálise, parentalidade afetiva e comunicação não violenta. Quero ser uma mãe suficientemente boa pra você (conceito de Winnicott). Quero que você tenha os traumas mais brandos possíveis — porque ausência de traumas é impossível.

Sei que, embora esteja próxima dos 27 e que a biologia faça meu útero apitar desde os 23, não estou pronta pra você. Tenho em média quatro crises de depressão por ano. Largo a terapia e os remédios a torto e a direito. Não consigo ser consistente nos exercícios físicos.

Mal cuido de mim, como vou cuidar de você? Não quero ser uma daquelas mães cuja avó (a mãe da mãe) é quem cuida da criança. Sua avó (minha mãe) já tem responsabilidades o suficiente. Mesmo que ela diga que será um prazer cuidar de você.

Eu não quero gritar com você. Não quero te dar palmadas. Não quero te dizer coisas cruéis. Não quero quebrar sua autoestima a ponto de você se odiar pelo resto da sua vida. Não quero projetar meus traumas em você.

Não quero ser uma adulta frustrada e descontar em você minha frustração. Não quero te culpar por eu não ser uma profissional bem-sucedida, uma acadêmica respeitada, uma viajante experienciada.

Por isso, acho prudente que você demore mais uns dez anos para vir ao mundo. Dez anos passam num instante. Acho que até lá vou ter conseguido juntar minhas merdas e ser uma pessoa com condições psíquicas e materiais para ser sua mãe.

Tem também o fato de eu ter a lua em virgem na casa 8, e as casas 5, 6 e 9 vazias. Capaz de eu nem ser fértil. Capaz de você nem chegar ao estado de zigoto. Que pena. É a vida, minha filha.

Eu tenho uma penca de crenças místicas, então acho que, se a gente não se encontrar nessa vida, a gente pode vir a se encontrar na próxima. Você pode ser minha filha. Eu posso ser sua filha. Nós podemos ser irmãs. São inúmeras as possibilidades.

Queria muito que a gente tivesse várias piadas internas, como minha mãe e eu temos. Queria que nós ríssemos muito uma com a outra. Queria que você se sentisse amada incondicionalmente. Na totalidade da palavra.

Você seria amada por simplesmente ser. Não porque tira notas boas na escola. Não porque é uma menina boazinha e obediente. Não porque atinge as expectativas que seu/sua pai/mãe e eu temos sobre você.

Você seria criada para que seu objetivo de vida seja ser feliz. Não trabalhar como um neoliberal. Ser rica como um capitalista. Quero que você seja criativa, não produtiva. Que estude o que gosta e porque gosta.

Você seria educada com livros e filmes que te incentivassem a ser íntegra, não a namorada/esposa de alguém. Quero que você tenha uma noção saudável do que é o amor. Espero que você não confunda tesão com amor, como sua mãe.

Psicanálise e/ou terapia desde cedo. Inglês também. E espanhol (precisamos nos comunicar com nossos vizinhos). E uma terceira língua posteriormente. Por mim, seria francês, mas você pode escolher.

Natação desde os seis meses de idade. O esporte da sua escolha quando estiver um pouco mais velha. Quero que você pense no esporte como saúde, movimento e diversão, não um meio para atingir o “peso ideal”. Quero que o associe a coisas boas, não a opressão estética.

Ano passado, conheci um rapaz que já tinha 27 anos. Nós havíamos estudado na mesma escola no ensino fundamental, mas éramos de turmas diferentes (ele estava duas séries acima da minha), então não tínhamos interagido naquela época.

Não me apaixonei, nem nada (ainda pensava num amor do passado — espero que quando você chegue, eu já tenha me esquecido dele. Do contrário, espero que ele seja seu pai). Mas o que me atraía nele era a certeza de que ele queria ter uma família.

Ele era muito father material, Elena. Tinha um ar sério por causa do ascendente em capricórnio (um ótimo trabalhador, portanto) que contrastava com uma docilidade advinda do sol em câncer. Prestava concursos na área jurídica. Se ele fosse seu pai, você sem dúvidas estaria segura financeiramente.

Nós nos relacionamos por pouquíssimo tempo: acabou que ele também tinha sentimentos pela ex. Mas chegamos a brincar sobre se te colocaríamos no Souza Amorim ou na Amélia Bittencourt (risos). Gostei desse faz-de-conta, pisciana que sou.

Esse é um ótimo bairro para se criar uma criança. Tem múltiplas e boas escolas. Áreas de lazer, clubes com piscinas e quadras poliesportivas, pracinhas, ruas residenciais e circuitos onde é possível andar de bicicleta e de patins com segurança.

Mas antes de você chegar, quero morar em outros lugares. Talvez São Paulo, talvez alguma cidade legal de fora do país. Uma capital obscura da Europa, tipo Tallin. Aquela cidade litorânea do Espírito Santo ou de algum estado do nordeste.

Aí eu vou voltar e te conceber (risos). Espero ter muita história pra te contar sobre minha vida pregressa. Espero cantar RBD enquanto você estiver na barriga. Espero contar e recontar a história de como conheci seu pai/sua mãe. Espero que seja uma história bonita.

Espero que você goste de ter me escolhido.

Com amor,
Sua mãe

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Ana Carolina Santos