Clube da Deluluzinha

+ show da Teca no Engenhão + show do Nense no Maraca

Ana Carolina Santos
Caracoles

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Uns meses atrás eu disse que não curtia quando clicava num episódio de podcast e ele começava com os chamados “recadinhos da paróquia”, aqueles avisos pra audiência já consolidada, geralmente linkados a algum episódio passado. E hoje eu vou justamente começar com recadinhos da paróquia que têm a ver com o episódio anterior. Porque a experiência humana é isso aí mesmo. Contradições a torto e a direito. E quem não se contradiz está sempre dizendo as mesmas coisas, né?

Okay, primeiro recadinho: sim, o Fluminense foi campeão da Libertadores *yaaaaaaay*. Fui muito feliz no dia 4 de novembro de 2023. Todos os meus traumas futebolísticos estão curados, nós vamos pegar a LDU na Recopa Sul-Americana do ano que vem, vamos nos vingar deles, a vida é maravilhosa etc. etc. etc.

E o outro dia de novembro em que eu seria feliz era o dia 18, né? O dia em que aconteceria o meu show da Taylor Swift. Acabou que no dia 17 fez um calor bizarro no Rio de Janeiro, e uma menina morreu em decorrência disso. É uma coisa inimaginável, né? Uma de nós, uma fã que tava lá, em um dos dias mais felizes da vida dela, acabar morrendo assim. Foi realmente muito, muito triste e revoltante. Uma sucessão de erros por parte da organização do evento.

O show que aconteceria no dia 18 foi adiado pro dia 20. Já o show do dia 19 foi realizado no dia certo mesmo. E… aconteceu uma tragédia pessoal pra mim. A Taylor cantou a minha música preferida. E eu não tava lá. *pam pam*

Pois é, pois é. Aí você, ouvinte imaginário, me questiona: mas ela não canta as mesmas músicas em todos os shows? Sim e não. Ela tem uma setlist fixa, mas existe uma seção em todo show em que ela canta duas músicas surpresas de forma acústica. Uma no violão e outra no piano.

Foi nessa seção, no dia 19, que ela cantou a minha música preferida. “Dancing With Our Hands Tied”, conforme mencionei no episódio de julho, chamado “Um mágico corpo todo”. Veja bem, eu vou tentar explicar a dimensão deste acontecimento. A Taylor Swift fez mais de 50 shows nos Estados Unidos, quatro no México, três na Argentina, e “Dancing With Our Hands Tied” estava a salvo. A salvo porque a Taylor havia explicado que não repetiria canções já executadas. Então a cada show a gente ia riscando músicas da nossa lista. São duas a cada show, então já havia rolado mais de 100 músicas. E a *minha* música favorita tava resistindo bravamente.

É preciso sublinhar que “Dancing With Our Hands Tied” é uma música meio impopular no fandom. Não é daquelas mais queridas, tipo “All Too Well” e “Cruel Summer”. É uma música à qual os swifties em geral são indiferentes. Então ela é muito minhazinha, sabe? Ela é meu segredinho. E ela tava intacta. Sobreviveu por meses a fio.

Até ser cantada na minha cidade. No show anterior ao meu. Que, na verdade, seria o posterior ao meu, porque ele foi adiado. Então a gente tem quase certeza de que a programação original era tocar “Dancing With Our Hands Tied” no dia 18. Mas aí os ingleses inventaram a Revolução Industrial no século XVIII, o capitalismo selvagem tá torando há mais de dois séculos, o colapso climático taí, a gente enfrentou os dias mais quentes dos últimos anos e, infelizmente, tristemente, essa cadeia de acontecimentos levou à morte de uma nós. Ana Clara Benevides, você não será esquecida. *emoji de coração com a mão*

Tão perto, mas tão longe *emoji chorando*

E beeeeeeeeem abaixo na lista de importância fica o fato de eu ter perdido a minha música favorita sendo tocada. Fica aquele gosto de quase, sabe? A dor do quase. Estar naquele estádio e ouvir os primeiros acordes de “Dancing With Our Hands Tied” teria sido como ganhar a Libertadores novamente. Mas a sensação foi a de perder a Libertadores em casa, nos pênaltis, contra a LDU.

Claro que eu me sinto bobíssima por ter ficado triste por causa disso. Uma menina morreu, porra!!!! Olha a gravidade da vida sendo esfregada na minha cara!!!! Mas fiquei triste de verdade com essa parada de “Dancing With Our Hands Tied”. Bem mais do que eu antecipava. Chorei bastante. Postei stories vergonhosos nos amigos próximos. (Ainda bem que pouco mais de 12 pessoas veem esses stories meus.)

Um dos processos do tratamento psicológico é aprender a validar suas emoções. Senti-las ao invés de racionalizá-las e julgá-las. Sim, eu me senti boba e patética. Mas também fui compreensiva e empática. Dá pra dimensionar suas dores, saber que elas são minúsculas frente a problemas maiores e ainda assim escolher vivenciá-las na medida do que for saudável.

Fiquei com medo disso afetar a minha fruição do show — olha só, meti um freudismo. Fruição. Mas não. Não afetou minha fruição do show. Aproveitei muito, dancei, cantei, gritei. Fui a boa fangirl que sou desde sempre. Foi realmente uma experiência única. Aí chegou na seção das músicas surpresa. E a Teca me inventa de tocar “ME!”, que é simplesmente a música mais odiada de toda a discografia da mulher. Existia literalmente um MEME em torno disso. Qual vai ser o show azarado o bastante pra receber “ME!”. O meu. O meu show. It’s me, hi, eu recebi “ME!”. Pelo menos depois ela compensou com “So It Goes”, uma música do “Reputation”, meu álbum favorito.

Mas, enfim, que desventura foi a passagem de menina Taylor pelo Rio de Janeiro.

Nossa, isso tudo foi só o segundo recadinho da paróquia. Ufa! O terceiro e derradeiro é:::::::: apenas um agradecimento. Ontem saiu a retrospectiva do Spotify, e eu fiquei muito feliz com ela. O podcast ficou no top 10 podcasts mais ouvidos de 52 pessoas!!! No top 5 de 31 pessoas!!!! E no top 1 de oito caracolers!!!! Sei que comemorar esses números modestos pode soar como ironia, mas, acreditem, é genuíno. É muito mais fácil mensurar e valorizar essas 52, 31 e 8 pessoas do que se fossem milhares ou milhões. Sinto que conheço cada um. Mesmo que nós nunca tenhamos trocado mensagem ou algo do tipo. Então muito obrigada a cada um que escolhe apertar o play em qualquer episódio deste humilde podcast. Você não é mais um número. *emoji de coração com a mão*

Tá bommmmmm, vamos ao tema de hoje.

Delulu. Você já ouviu esse termo? É um conceito que ficou popular no TIkTok nos últimos meses. E eu sei disso porque vi posts sobre isso no Instagram. Não frequento o TikTok. Isso é coisa da geração Z, e eu sou uma zillennial. A gente fica ali pelo Instagram mesmo. Pois bem. Delulu vem da palavra “delusional”, que significa ilusório, delirante. Delulu enquanto conceito e estilo de vida tem muito a ver com “lei da atração”. É basicamente um “fake it ‘till you make it”, “finja até realizar”. Viver meio alheia à realidade. Criar uma ilusão na sua cabeça e ser terminantemente fiel a ela.

Não por acaso, ser “delulu” conversa com “síndrome de protagonista”, conceito sobre o qual falei no episódio de agosto, chamado “Rom-comunismo”. Tem muita gente no TikTok contando que, desde que passou a levar uma vida de protagonista delulu, as coisas começaram a acontecer pra elas. Arrumaram melhores empregos, amigos, namorados, apartamentos…

Sei que isso pode soar ridículo pros mais céticos, mas, pra além da explicação mística, tem a explicação prática e muito real. Delulu é um exercício de autoconfiança, de otimismo e até de autoestima. Uma vez que você tá com esse “mindset” instaurado, fica muito mais fácil transitar pela vida. Tudo é questão de postura. Você não vai conseguir aquele emprego só porque montou um moodboard com o logotipo da empresa e porque fez um ritual pra encarnar o arquétipo do Steve Jobs. Mas porque você se muniu de tanta esperança, de tanta certeza e de tanta autoconfiança que isso transpareceu na entrevista e você mandou super bem. É um efeito prático da deluluzidade.

Quero deixar registrado aqui que eu já era delulu before it was cool. Nós, pessoas do signo de peixes, inventamos o delulu. Podem nos chamar de Clube da Deluluzinha. Piscianos são conhecidos por viverem na ilusão, serem excessivamente sonhadores e pouco apegados à realidade material da vida. Culpada. Acho que passei a viver melhor depois que aceitei minha natureza pisciana delulu.

Tem uma frase que li há mais de 15 anos e que nunca esqueci. “Há dois tipos de pessoas no mundo: os realistas e os sonhadores. Os realistas sabem onde estão indo. Os sonhadores já estiveram lá”. Essa frase é do comediante estadunidense Robert Orben. Dando um Google pra confirmar as palavras exatas e a autoria, descobri que ele nasceu no mesmo dia que eu. Quatro de março. Ele, de 1927, e eu, de 1996. É claro que essa frase só poderia ter sido cunhada por um pisciano. Expliquem essa, ateus e antiastrologistas!!!!11

Quando o Fluminense tava nas oitavas, nas quartas e na semifinal, eu já tinha certeza de que a gente ia ganhar a Libertadores. Era uma confiança que vinha de dentro, da nossa experiência pregressa de ter perdido uma final de Libertadores, do Universo, da sensação de que os astros estavam se alinhando pra permitir essa conquista. Sei lá. Era alguma coisa. E essa certeza nunca me deixou.

Nem mesmo quando jogamos a primeira partida da semifinal com um homem a menos devido à expulsão do lateral direito Samuel Xavier. Nem mesmo quando o Inter abriu o placar no Beira-Rio. Nem mesmo quando o Boca empatou no Maracanã. Eu sabia que a gente ia empatar e virar contra o Inter. E sabia que a final não seria decidida nos pênaltis. Por quê? Sei lá. A voz do anjo sussurrou no meu ouvido. Pura inspiração de deluluzinha.

E deu certo. Foi muito mais legal ter vivido essa Libertadores acreditando piamente que meu time seria campeão do que com pessimismo, contando com uma derrota a cada fase. Pô, sofrer por antecipação é uma merdaaaaa. Se o Fluminense tivesse perdido a final, eu ia sofrer igual a uma desgraçada. Mas o torcedor pessimista sofreria igual. Mesmo ostentando o orgulho de dizer “eu avisei”.

Ele teria sofrido duas vezes, porque não teria se permitido saborear os prazeres de cada avanço no mata-mata. Cada placar favorável. Cada gol de Cano e de John Kennedy. Cada assistência de Keno e de Arias. Cada passe açucarado de Marcelo e de Ganso. Cada desarme de Nino e de André. Cada defesa impossível de Fábio. Cada entoada de “Vamos, tricolores” da torcida. Ora, vale muito mais acreditar e viver isso intensamente a ficar com o pé atrás, se apegando ao amargor da realidade. “Aiiinnn, o Boca já tem seis títulos, a gente não tem nenhum.” Foda-se, mermão. Esse era nosso. E foi. Foi delicioso pra caceta.

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Ana Carolina Santos
Caracoles

Leitora e escrevedora de transporte público. Faço o podcast Caracoles: https://linktr.ee/santosacarolina