Ghosting de amizade a gente nunca supera
Queria ainda ser amiga desses fantasminhas camaradas
Uma coisa pouco debatida é o ghosting de amizade. Quando você é amiga de uma pessoa (ou acha que é), e ela repentina ou paulatinamente para de responder às suas mensagens. Aconteceu comigo algumas vezes. Eu devo ser uma pentelha mesmo. Garrei mágoa por duas delas e, até o presente momento, ainda não superei tais rejeições.
A primeira delas tem a ver com a pandemia, penso eu. Todo mundo ficou com fadiga de WhatsApp. Trabalho remoto, mistura entre mensagens profissionais e pessoais, excesso de telas. Sem mencionar o trauma de estar vivenciando um colapso mundial. Pessoas perderam entes queridos, temeram a morte de outros. Temeram a própria morte.
O ghosting pandêmico de amizade é completamente compreensível e perdoável. Não culpo a pessoa. Mas isso não significa que eu não tenha ficado magoada. A racionalidade não anula o sentimento, infelizmente. Para além do fator covídico, há um componente a mais: minha própria postura enquanto amiga.
Veja bem, autocrítica é o que não falta por aqui. Meu super eu vai muito bem, obrigado. Tenho perfeita ciência de que fui uma amiga demandante e autocentrada com essa pessoa. Nós nos aproximamos num momento bastante crucial da minha vida. Então, dividia muito de mim com ela. De uma maneira, digamos, desnivelada.
Falei muito mais das minhas questões do que dei espaço para que ela se abrisse sobre as dela. Conversei sobre isso com um dos meus maiores amigos. Ele disse que, na nossa amizade, sente que isso é algo equilibrado. Para ele, eu sou uma boa e interessada ouvinte.
Entretanto, há certas circunstâncias em nossas vidas que fogem à normalidade. E a gente precisa falar e falar e falar e analisar e refletir e falar mais sobre elas. Além das intermináveis sessões de psicanálise, abusei dos áudios longos no WhatsApp. Era um processo pelo qual eu precisava passar. E passou.
Tentei retomar o laço posteriormente. Mandava mensagens a cada quadrimestre, mais ou menos. Só se ouvia o som dos grilos e das cigarras. O mais curioso é que ela continuava a interagir comigo no Instagram. Imaginei que era algo relacionado ao meio. Às vezes, a gente só tem energia social para interações rápidas via Instagram. Outras vezes, apenas para e-mails.
Lá pela terceira mensagem quadrimestral, eu desisti. Pois é. Insistente. Ainda queria ser amiga dela. Ainda quero. Espero que esteja tudo bem com ela e com sua família. Vacinados e com saúde. Espero que esteja feliz e bem-sucedida profissionalmente.
Vamos à segunda história de ghosting de (mais ou menos) amizade. Estudávamos na mesma universidade, mas apenas nos conhecíamos de vista. Em um dos momentos de flexibilização da pandemia, fui com um velho amigo a uma balada em Copacabana, e ele estava lá (okay, cansei de ser ambígua quanto aos gêneros). Nos olhamos e nos reconhecemos. Sorrimos, nos cumprimentamos, e o papo escalou muito rapidamente para revelações bastante pessoais da parte dele. Acho que ele tava precisando de um interlocutor generoso. Pela primeira vez na vida, eu não era a parte mais emocionada.
Trocamos redes sociais e fomos cada um para seu lado. A partir daí, engatamos uma amizade. Chegávamos a ter conversas de quatro horas e meia por telefone (e olha que eu sempre detestei ligações). Quando estávamos há cerca de um mês nessa dinâmica, ele sugeriu de… ampliarmos os limites daquela amizade. Hesitei por um tempo, pois não queria perder a cumplicidade que havíamos construído em tão pouco tempo. Mas aí fomos pra Lapa e acabou acontecendo essa… ampliação dos limites.
E foi ótimo. Curti genuinamente nossos momentos. Eu ia pra casa dele, ele cozinhava uma das sopas doidas dele pra mim e nós assistíamos ao BBB 21 (por causa dele, após 10 anos de hiato, voltei a ser uma telespectadora assídua do programa, essa pedra de crack). Porém, infortunadamente, eu ainda nutria sentimentos por alguém do passado. Chegou um ponto em que eu não me sentia confortável para continuar a me relacionar com ele.
Redigi um texto bonitinho explicando a situação e dizendo que queria que permanecêssemos amigos. Ele respondeu que sim, também gostaria disso. Eu me empenhei em cultivar essa relação. Todavia, dias depois não obtive mais respostas (*efeito de som de programa de auditório*).
Bom, também não o culpo. Rejeições são rejeições, mesmo que cuidadosas. Como da outra vez, tentei a reaproximação duas vezes. Na primeira vez, até marcamos um barzinho, mas o rolé acabou não se materializando e ficou por isso mesmo. A segunda foi durante o BBB 22. Culpo o reality show de Boninho pelo fracasso da tentativa. Se o Tiago Abravanel não fosse tão antijogo, e o Arthur Aguiar, tão chato, talvez nosso laço tivesse se reconstituído. ¯\_(ツ)_/¯
[Acabo de perceber que, nessa segunda história, soo como alguém sem responsabilidade afetiva. Como se quisesse impor minha presença à pessoa rejeitada que, coitada, só tava querendo seguir com a vida dela. O caso é que: na minha cabeça, para ambas as partes, tratava-se de uma situação de amizade “colorida” (tal qual a de Elaine e Jerry em determinado episódio de Seinfeld). Claro que ninguém sabe o que se passa dentro da outra pessoa, mas eu de fato tinha a impressão de que, para ele, era uma coisa casual e sem grandes sentimentos de ordem amorosa.]
Minha amiga Marina Lua me mandou de manhã (quanto M) esse vídeo da Tayná Saes no TikTok. Trata-se de um trecho de uma carta de Caio Fernando Abreu a Hilda Hilst em que o escritor reclama dos silêncios da amiga. O póbi do CFA tomou um ghosting da HH via carta em 1973 (risos, muitos risos, mas risos meio tristes).