Luckies

Ana Carolina Santos
3 min readJul 6, 2017

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O momento em que eu percebi que havia me tornado uma fumante inveterada foi quando estava no ponto de ônibus e deixei um 497 passar só porque meu cigarro ainda tava na metade. Nesse momento, eu tive um clique. Minha relação com o cigarro ficou evidente pra mim. Porém antes disso já estava claro que eu era dependente.
Meu maço havia acabado dois dias antes. Ao fim daquele dia, sem dinheiro, fui até uma padaria perto do meu trabalho que eu sabia que aceitava cartão de crédito. Para desencargo de consciência, perguntei à atendente se aceitava mesmo. Ela respondeu positivamente. Então eu comecei a procurar o Lucky Strike azul em meio a tantas marcas. Não passaram nem dois segundos e a moça do caixa disse: “Exceto cigarro”.
Fui para o ponto com o rabinho entre as pernas, pensando em uma solução. Chegando lá, vi uma loja que vende cigarros. Lembrei que tinha uma moeda de um real na carteira e que lá vendia cigarro a varejo. Fui direto para a caixinha do Lucky Strike e saí de lá feliz. Ao acender, uma surpresa: não era Lucky, era Dunhill. Fumei mesmo assim e acabei gostando. Indício de que eu era uma fumante inveterada em construção.
O dia seguinte foi terrível, não dei um traguinho sequer. No caminho para o ponto, quase roubei um maço de Gift exposto em uma banca, mas me freei. No dia subsequente, estava resoluta em sanar minha vontade. Indo para o trabalho, ainda em Olaria, resolvi ir a uma padaria e arriscar pra ver se lá aceitava crédito. Não quis ir direto pedindo cigarros por medo de acontecer a mesma coisa que dois dias atrás. Então fui pra geladeira e peguei um Lalita. No caixa, perguntei se aceitava crédito. Sim, aceitava. Pedi um Lucky Strike azul. A moça disse que no cartão tinha um acréscimo de 15%. Nem me importei. Ratifiquei várias vezes que era crédito, não débito, pra não passar vergonha na frente de todo mundo. Saí de lá com meu Lucky e com meu Lalita. Logo depois, no ponto, esperando o 497, me dei conta de que havia me tornado uma fumante inveterada.
Mais tarde, naquele mesmo dia, fiz pela primeira vez o gesto universal de camaradagem dos fumantes: um cara me parou na Riachuelo e pediu para acender o cigarro dele na ponta do meu. A priori, não entendi, cheguei até a perguntar se ele queria o isqueiro — inexperiência de novata. Mas depois encostei a ponta do meu Lucky Strike no Marlboro dele e senti uma emoção digna de ET mais menininho em “ET”, do Spielberg.
Durante o trabalho, fiz meu primeiro break ever pra fumar. Estava um pouco envergonhada, mas fui mesmo assim. Ali eu entendi o sentido do cigarette daydream sobre o qual Matt Schultz cantou. Fantasiar, flutuar, desligar-se enquanto dá uns tragos. Deleitei-me com o cheiro de cigarro na minha roupa o resto do dia.
Ao sair da redação, acendi outro cigarro — o quarto do dia, meu recorde absoluto até aquele momento (sem contar as vezes em que eu fumei um atrás do outro enquanto bêbada). Dessa vez fui além: deixei nada mais nada menos que dois 497s passarem enquanto não terminava meu cigarro. Felizmente, logo depois veio um 497 com ar condicionado, o que é raríssimo de acontecer. Lucky day.

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