Miserável

Ana Carolina Santos
3 min readMay 15, 2017

Aqueles dias em que tudo dá errado. Você acorda tarde. Seu ônibus não passa, você é obrigada a pegar outro. Este quebra no meio do caminho, você vai pra estação pegar um trem. O trem demora a vida. Você desiste e pega outro ônibus, um que te deixa mais perto do trabalho. Trabalho este ao qual você chega com uma hora de atraso. Lá, você se sente como aquele gif do Travolta em “Pulp Fiction”. Nada dá certo, você não tá feliz. A hora não passa. Você sente como se nunca mais fosse deixar aquele prédio no Centro da cidade.

Enfim é-lhe estendida a carta de alforria. Mas euforia não se sente. O que se sente é a miséria. Além dela, o medo. Dez da noite. Sozinha e miserável. Com fome. Apenas centavos e documentos na carteira. Não há motivo pra sentir medo, a cidade pulsa. Os jovens se divertem, você sente inveja deles. Você quer estar entre eles. Você quer beijar aquela menina linda na frente do Bistrô. Mas você quer mais ir pra casa. Ou melhor, você quer que sua casa seja lá. Só de pensar no deslocamento já dá arrepio. Lá vem o ônibus. Um tal de 007, vai pra Central. Mas ao contrário do agente do MI6, este não inspira confiança. Pequenininho, caindo aos pedaços, puta barulho saindo do motor. Você entra, senta no fundo, tá escuro. Quer chorar. Ainda não. Tem gente. Calma, tá chegando. Pula, pula, pula. O cara na sua frente quase cai da cadeira, mas você tá tão imersa na sua miséria que não sente nada; não ri, não se compadece, não nada. Surpresa!, o xará do Bond-James-Bond não vai pra onde você achava que ele ia. Medo ataca novamente. Calma, tem muita gente na rua. Você acha a estação. Agora, sim. Entra no metrô e a alegria alheia irrita. Os casais incomodam. O verde-e-amarelo cega. E aquele metrô moderno e eficiente te deprime mais do que qualquer ônibus sucateado jamais poderia fazê-lo. A voz de Stuart Murdoch potencializa o sorrow.

Nada é tão ruim que não possa piorar. Tá chovendo e você tá sem chapéu. Você tenta ser positiva, pelo menos tem ônibus no ponto final. As gotículas vão se acumulando na janela do ônibus. Você se preocupa. Tá chegando. Se prepara pra levantar. Vê um moeda de cinco centavos. Talvez ela te traga toda a sorte que não lhe sorriu no dia de hoje. Bobajada de pisciana. Salta. A chuva tá fininha, hashtag brightside. Eita porra, a chuva fica mais forte. Só mais um pouquinho. Não-serei-assaltada, não-serei-assaltada. Chega em casa e, talvez pela primeira vez no dia, se sente genuinamente feliz. Eu cheguei. Eu consegui. Sã e salva. Okay, não tão sã assim, porque você resolve tomar banho de chuva de calcinha e sutiã ao som de “Le ciel dans une chambre“, da Carla Bruni. E aí você chora, finalmente. Toda a frustração do dia se esvai com a chuva. E a conclusão se torna nítida: você só queria ter alguém com quem conversar em dias como esse. Um colo pra se aninhar. Um seio pra fazer de travesseiro. Alguém pra compartilhar. Alguém.

Escrito em 19 de agosto de 2016.

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