O amor é um jogo impiedoso — a não ser que você o jogue da forma correta

Modernidade líquida para pessoas ansiosas

Ana Carolina Santos
Caracoles

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Você tá no supermercado, escolhendo pimentões. Oposto a você, tá uma pessoa ensacando tomates. Vocês trocam olhares por cerca de um minuto até que uma se enche de coragem e puxa assunto. “Tá tudo caro, né?”, ela diz. A outra ri e concorda. “Tá mesmo, tudo caro.” Aí vocês ficam nesse papinho até uma finalmente pedir o telefone da outra. Pronto. Fácil. Chuchu beleza. Mel na chupeta. Por que não é tão fácil assim na vida real?

O episódio de dezembro do ano passado foi sobre relacionamentos amorosos na contemporaneidade. E eu decidi que o de dezembro desse ano também vai ser. Pronto, acabo de inventar uma tradiçãozinha pro podcast.

Aquele episódio, chamado “Pessoa líquida, pessoa liquidada”, nasceu porque eu tava num momento hashtag heavy user dos chamados “apps de pegação”: Tinder, Bumble e afins. Bem, calhou de, nesse momento, eu também estar inserida nessa dinâmica. Coincidência? Talvez seja carência de fim de ano. Então é Natal, e com quem você transooooou?

Por incrível que pareça, eu tava mais segura quanto a esse tema há um ano. Mas tá tudo bem. A evolução é uma espiral, não uma linha reta. Os episódios sobre modernidade líquida, o de dezembro de 22 e o de janeiro de 23, são dois dos meus favoritos do podcast. E eles foram os que mais repercutiram nas minhas redes. Nada como o amor pra nos mover, né?

Todo mundo concorda que é muito demandante, um verdadeiro labor tentar estabelecer alguma conexão com alguém neste espaço-tempo, certo? Se é fácil pra você, escreve aí na caixinha do Spotify ou na DM do Instagram como é sua experiência, por obséquio. Me ensina. Eu não aguento mais.

Até entendo as pessoas que optam por se retirar dessa lógica e se fechar pra qualquer tipo de relacionamento. Esse ano, eu tirei uma folguinha também. Fiquei uns booooons meses longe dos apps. O que significa que, nesse período, eu conheci um total de zero pessoas.

Não sei como é pra vocês, mas eu comecei a me relacionar quando esses apps já tavam bombando, então eu nunca habitei um mundo em que as pessoas se conheciam organicamente. Tipo, na vida. No supermercado, como na fanfic que eu criei. No transporte público. Minto. Já conheci uma pessoa no ônibus. Foi há literais 10 anos. E, desde então, não rolou mais esse conto de fadas da classe trabalhadora. Queria. *emoji chorandinho*

Há algumas semanas decidi começar a me esforçar pra conhecer alguém na vida real. E a ocasião que se apresentou pra mim foi justamente num ônibus. Tava sentada na frente, perto do motorista, e entrou um rapaz na altura da Lapa. Fiquei a viagem toda me debatendo sobre se falava ou não com ele. E bolei mil planos. Decidi que, quando chegasse no ponto onde eu ia descer, procuraria por ele entre os bancos e se ele ainda estivesse lá, falaria com ele. Ou daria um post-it com meu nome e número pra ele. Eis que quando chegou no ponto, pra minha surpresa e deleite, ele tava em pé, se encaminhando para a saída. Aí eu pensei: “Só pode ser um sinal do Universo.”

Mas, dessa vez, não interpretei como aquela coisa de “ai, meu Deus, isso significa que estamos destinados a ficar juntos”, blah blah blah. Porque eu já fui assim, né? Pisciana, vocês sabem. Dessa vez, senti que era uma oportunidade do Universo para que eu fosse corajosa e agisse no sentido de criar o meu próprio destino. Eu adorei ter notado essa mudança de perspectiva. Acho que isso é maturidade.

Daí, okay, nós descemos, e eu me senti uma stalker andando atrás dele e ainda me debatendo internamente sobre se falava ou não. Resolvi falar. Algo como: “Oi, tudo bem? Eu sou a Carol, qual é o seu nome?” Daí ele ficou meio desconfiado, mas disse o nome dele. Vamos chamá-lo de O Pianista de Bonsucesso. Okay, eu sei que quem ouviu o episódio do ano passado vai achar que eu tô inventando, mas ele realmente era pianista. Assim como o personagem daquele episódio. Eu tenho um tipo, eu seeeei. Mas seguindo: aí depois que ele falou o nome, eu expliquei a situação. “Eu nunca faço isso, mas eu tava no 497 e te achei interessante, posso pegar o seu número?”. Eeeeeeee… ele me deu o número! Scooooore.

Talvez você esteja pensando: “eu JAMAIS teria coragem de abordar alguém dessa maneira.” E isso é muito justo. Mas eu aposto que a maioria das pessoas que são abordadas de forma respeitosa se sentem lisonjeadas com a atenção e não incomodadas ou enojadas. Aqui cabe a gente fazer um recorte de gênero, né? Eu era uma mulher abordando um homem. Mas acho que até mesmo se um homem aborda uma mulher de uma forma respeitosa, sem ser agressivo e insistente, ela vai se sentir lisonjeada e, sei lá, no máximo, dizer que tem namorado se não tiver interessada.

Eu milito pela coragem. Sou super adepta do flerte direto. O que de pior pode acontecer? Eu sei que tem aquele meme de “o não você já tem, agora é ir atrás da humilhação”. Mas… Será que é humilhação mesmo? A pessoa vai ser deliberadamente cruel com você? Ou ela só vai te dar um não normalzinho? E a gente, ao receber essa negativa, fica com a sensação de humilhação. Mas é só uma sensação. É só na nossa cabeça.

Vamo pegar uma situação online: são só vocês dois ali naquela caixa de mensagens. Não tem mais ninguém. Só você e a outra pessoa vão saber que você flertou com ela ou que chamou ela pra sair e ela te respondeu que tá muito atribulada com o final do semestre na faculdade etc e tal. O que tanto pode ser verdade, quanto uma desculpa. E isso não é da sua alçada! É irrelevante pra você saber se ela tá mentindo apenas pra “suavizar” a rejeição ou se ela realmente tá ocupada e só não propôs outra data, porque, sei lá, não ocorreu a ela no momento.

O ponto é o que você faz com essa negativa. Como você lida com isso. Você pode se sentir mortificado e nunca mais ter coragem de flertar de forma direta com ninguém. Você pode acreditar no fato de que a pessoa só tá ocupada naquele período de tempo e tentar a sorte novamente no mês seguinte. Ou você pode pensar: “oh, well. Acho que ele ou ela não corresponde ao meu interesse. Vou pastar em outra freguesia.” Que, no meu entendimento, é a postura mais saudável de se ter. Porque, se a pessoa de fato corresponde ao seu interesse, ela vai continuar interagindo com você. Vai surgir outra oportunidade de vocês agitarem um rolê. E se ela não corresponde, ela provavelmente nunca mais vai interagir com você. E esse vai ser um belo de um recado.

E a pior medida que você pode tomar é continuar em cima dela. A pessoa declinou de um convite agora, aí três horas depois você já tá respondendo um story de selfie dela e dizendo que ela tá gata. Tô usando o feminino, mas falo de todos os gêneros, tá? Deixa pra lá, não fica em cima. Não cai na arapuca de querer conquistá-la. Você não tem que ter todo esse trabalho, esse labor. Olha quanta gente tem no mundo. Por mais linda, interessante, talentosa, perfeita pra você que essa pessoa seja, ela já não deveria ser tão interessante assim justamente porque ela não tá interessada. E isso já deveria ser motivo o suficiente pra ela descer desse patamar de “perfeita pra mim”.

Eu comentei que fiquei vários meses fora dos apps esse ano, né? Daí retornei em outubro. Porque… tava a fim e me julgava mentalmente forte o suficiente pra isso. Só que voltar a me relacionar com pessoas faz com que eu me reencontre com o sentimento incômodo de que eu sou descartável. Ao mesmo tempo, eu também descarto pessoas. E isso não faz com que eu me sinta melhor. É o exato oposto.

Se sentir descartável é uma merda. Eu fiquei o mês todo enrolando pra escrever o episódio porque não tava conseguindo encarar de frente os meus sentimentos em relação a voltar a me relacionar. Me abrir pro mundo. E estar suscetível a levar ghosting, a ser cozinhada, a esperar igual a uma pateta pela resposta de alguém…

Pensando racionalmente, o certo seria dar um passo pra trás, né? “Opa, eu não tô tão forte quanto achava que tava. Não tô sabendo lidar tão bem assim com o descarte.” Mas a gente não é composta apenas por uma mente. É corpo na mesma proporção. E o corpo quer… bem, se reproduzir. Ou ensaiar a reprodução — Deus abençoe os métodos contraceptivos.

Daí cabe à gente avaliar o que banca e o que não banca no momento. A gente vai se confrontar com vários gatilhos, vários desconfortos enquanto tá aberta a conhecer pessoas. Tem que avaliar se os ganhos superam essas situações desconfortáveis. Colocar na balança mesmo. Por meses, eu achei que ficar sozinha me contemplava mais, tinha mais a ver com meu estado mental, não tava sentindo falta de nenhuma das benesses de me relacionar com alguém. Aí eu percebi que esse jogo virou. E agora tô lidando com as partes boas e ruins de me abrir pro mundo.

Eu sou super a favor de tratar os traumas, focar em si mesma, na saúde mental e física, no desenvolvimento pessoal, na carreira, nos estudos. Enfim, em tudo que vá te ajudar a melhorar seu bem-estar e sua qualidade de vida. Mas a gente pode acabar caindo numa de parar de se relacionar até atingir uma espécie de “cura”. E isso é um equívoco porque ninguém nunca vai estar totalmente curado.

Quanto às relações interpessoais, tem muita coisa que a gente só aprende na prática. Quanto mais você se relacionar, melhor você vai se sair nos relacionamentos futuros. Vai ter mais ferramentas pra lidar com os desafios, porque não vai ser a primeira vez que você vai tá passando por aquilo. Claro, é possível que você fique com fadiga de conhecer gente nova também. Que foi o meu maior sintoma durante todo esse ano. Então observa aí um equilíbrio que funcione pra você. Vai nuns dates, faz uma pausa. Conserva um ficante. A situationship subiu no telhado? Faz uma pausa de uns meses pra recarregar. E assim segue.

Como escreveu Taylor Swift em “State of Grace”: “O amor é um jogo impiedoso, a não que você o jogue da forma correta.” Vocês acharam que eu ia passar um episódio inteiro sem citar a Taylor Swift, né? Não foi dessa vez.

Seguindo, sobre a coisa dos traumas. Eu tenho alguns padrões de comportamento que já observo em mim há uns quatro anos. Um exemplo: quando saio com alguém e gosto muito do date, a minha vontade é que a pessoa me garanta, me assegure de que a gente vai se ver de novo. Ora, eu não tenho o direito de demandar isso de ninguém. Que loucura. Então é uma coisa que eu tenho que lidar comigo mesma. Na terapia, conversando com amigos, enfim… Não é uma coisa que eu vou despejar em cima de uma pessoa que eu acabei de conhecer.

O que tá ao meu alcance é deixar claro pra ela que eu quero vê-la de novo. Falar ao vivo no date ou mandar uma mensagem a posteriori. “Gostei muito de ontem, adoraria repetir qualquer dia desses.” Mas sem a necessidade de estabelecer uma data e um horário ali, no ato, especialmente ao vivo. Porque nem todo mundo se sente confortável em fixar um compromisso assim. Normal. São tempos líquidos.

Autoconhecimento é importante demais quando você vai se aventurar na selva dos relacionamentos. Ter bem claro em mente o que você quer, não quer, o que tolera e o que não tolera. Se você tem a necessidade de ser respondida rápido no WhatsApp, você sabe que não daria certo com uma pessoa que demora muitas horas ou dias pra responder. E esse é um exemplo pessoal novamente. Isso ativa meus gatilhos de abandono, então há uns dois anos eu tenho a noção cristalina de que não posso investir tempo e energia numa pessoa que tem uma frequência muito diferente da minha no WhatsApp.

E veja bem, não tô falando da pessoa que demora propositalmente porque faz joguinhos, que tem como objetivo te deixar sedenta ou afins. Essas são as que você tem que descartar mesmo. Tô falando das que não fazem por mal. Das que só tem uma frequência diferente mesmo. Por mais bem intencionadas que elas sejam, elas não me contemplam. É uma incompatibilidade empírica. Então, it’s not a match. Próximo.

Outro exemplo: pessoas que dão todos os indicativos de que tão a fim, são atenciosas online, ficam horas conversando com você, mas… quando chega na hora do vamo ver, elas se esquivam de estabelecer um plano pra um date ao vivo. Pois é, esse é o tipo que eu acho mais curioso. A pessoa se contenta com a interação internética? O gozo dela é a atenção via WhatsApp? A masturbação olhando nudes? Vai entender. Eu sou carne, não avatar!!! Amigos virtuais, já tenho. Quero o real deal!!!!! Por favor, não desperdice meu tempo!!!!!11 Quer me ver puta é eu ficar uma semana conhecendo alguém pelo WhatsApp pra depois descobrir que ela é desse tipo cronicamente online. Me devolva todas as horas que eu investi em você, desgraçaaaaaaaaaAAAaAAa!!!!!!11

Perdão, me exaltei. Seguindo. Então, como eu disse, nas últimas semanas eu tô muito inserida nas dinâmicas do amor líquido, né? Teve um dia que minha autoestima perdeu a batalha pra minha mente ansiosa. E eu fiquei triste. Triste com uma rejeição que eu mesma inventei, que nem tinha ocorrido ainda kkkkkkkk e não ocorreu até hoje, veja só você. Passei um dia assim, MAL.

Aí, no dia seguinte, recebi uma notícia muito, muito boa no âmbito profissional. Rufem os tambores *efeito sonoro* EU VOU PUBLICAR UM LIVRO. Yaaaaaaaaay! Pois é. É um livro de poemas que se chama “As fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela”. Tá saindo pela editora Urutau, e a pré-venda tá rolando nesse momento na Benfeitoria. Como a Urutau é independente, eles usam o dinheiro arrecadado na pré-venda pra financiar a impressão do livro. Então, se você ouve o podcast, curte meu texto e pode me apoiar nessa etapa, eu vou ficar eternamente grata! O livro digital tá custando R$ 35, o impresso R$ 58 e o impresso com dedicatória R$ 75. Se você for do Rio, compra o sem dedicatória mesmo que a gente marca um café pra eu assinar seu livro.

Pois então, eu tava super triste no dia anterior, né? De repente, aquilo tudo não tinha mais importância. Só euzinha. A escritora da Vila da Penha. Feliz ano novo!!!

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Ana Carolina Santos
Caracoles

Leitora e escrevedora de transporte público. Faço o podcast Caracoles: https://linktr.ee/santosacarolina