O carma é um gato ronronando no meu colo porque ele me ama
Roteiro do sexto episódio do meu podcast, Caracoles
Ouça aqui
A princípio, este episódio se chamaria “É muito bom gostar das coisas”, e eu daria um tom mais geral pra ele. Falaria sobre como sou a favor da empolgação em detrimento do blasé e que é muito mais legal ser animada do que indiferente. Faria toooodo um prelúdio até chegar ao real assunto do episódio: “Midnights”, o novo álbum da minha artista musical preferida, Taylor Swift, lançado em 21 de outubro.
Mas cheguei à conclusão de que “O carma é um gato ronronando no meu colo porque ele me ama” é um título muito superior a “É muito bom gostar das coisas”. Até porque quem escreveu isso não fui eu. Foi ela mesma, a Taylor Swift, na música “Karma”, presente nesse último álbum.
Eu tô com uma missão difícil nas mãos porque não quero que esse episódio seja recheado de referências muito específicas que só o fandom da Taylor entenderia e alienar quem por ventura for ouvir isso e não dá a mínima pra ela. Não é minha intenção que esse podcast seja temático. Quero que ele seja o mais livre possível e que eu fale do que diabos eu quiser. E hoje eu quero falar do “Midnights”. Porque eu gosto dele. E é muito bom gostar das coisas.
Como eu comentei no episódio retrasado, intitulado “Produtividade, acaso e ‘Midnights’”, a Taylor anunciou o lançamento desse novo álbum durante o VMA, premiação da MTV que rolou no final de agosto. Então foram quase dois meses de expectativa por esse disco, o décimo da carreira da Taylor. (Tô cansada de ficar falando Taylor o tempo todo. Vou dar um apelido abrasileirado pra ela. Que tal… Teca? Pronto. Teca.)
Essa foi minha primeira experiência de expectativa pelo lançamento de um álbum de inéditas da Teca. Virei fã dela durante o segundo semestre de 2019, depois que o disco “Lover”, daquele ano, já havia saído. Em seguida, vieram os álbuns pandêmicos dela, “folklore” e “evermore”, ambos de 2020 e ambos lançamentos-surpresa. No ano seguinte, 2021, saíram duas regravações de álbuns antigos dela: “Fearless”, de 2008, e “Red”, de 2012.
Por que ela regravou álbuns antigos, você me pergunta, ouvinte imaginário. Vou tentar resumir. A Teca lançou seus seis primeiros discos por uma gravadora chamada Big Machine Records, e eles detinham os direitos desses discos. Ela tentou comprar esses direitos, mas eles não quiseram vender. Aí o dono da gravadora, um distinto senhor chamado Scott Borchetta, vendeu a empresa e todo o seu catálogo para outro distinto senhor, o Scooter Braun, que agencia cantores e já trabalhou com o Justin Bieber, a Demi Lovato, a Ariana Grande e ele mesmo, Kanye West. O Scooter e a Teca se odeiam há anos. Ele era a última pessoa que ela gostaria que detivesse os direitos sobre sua obra. Então o que ela fez? Isso mesmo, anunciou que regravaria os discos e, com isso, detonar o valor de mercado das versões originais. E ela tem sido bem-sucedida nesse intento, viu? As novas versões de “Fearless” e de “Red” venderam como água no deserto, e as rádios e fãs têm preferido reproduzir as regravações em vez das versões “roubadas”, como ficaram conhecidas.
Então, pelos últimos dois anos, a Teca tem regravado seus álbuns antigos, revisitado composições do seu eu do passado e, por consequência, os sentimentos e sensações de outrora. É muito claro que o “Midnights” é do jeito que é por causa desse encontro direto com sua obra pregressa. Não fossem as regravações, não haveria “Midnights”. Indo ainda mais longe, não fosse a pandemia do coronavírus, não haveria “folklore” e “evermore”.
Doido pensar nisso, né? Conversei sobre isso com a Lorena, uma das 17 ouvintes deste podcast, enquanto esperávamos pelo início do show da Lorde, que rolou no último dia 8. Claro que ficamos fangirlizando sobre o “Midnights”. “What’s a girl gonna do?”, certo?
O “Midnights” representa um retorno ao pop. “folklore” e “evermore”, os álbuns-irmãos de 2020, se enquadram no gênero alternativo. Um dos produtores e co-compositores é o Aaron Dessner, membro do The National. Tem até um feat. com a banda na música “coney island”, do “evermore”. Bon Iver, o reizinho do indie, participa de duas faixas: “exile”, do “folklore”, e “evermore”, do álbum de mesmo nome.
Esse retorno da Teca ao pop surpreendeu muita gente. A mim, inclusive. Eu achei que ela havia dado um passo em direção a um caminho sem volta com o lançamento da dupla “folkmore”. Até porque esses discos foram superaclamados pela crítica. O “folklore” venceu a categora de álbum do ano no Grammy, o maior prêmio da indústria da música estadunidense, e o “evermore” foi indicado ao mesmo prêmio no ano seguinte. Muita gente que torcia o nariz pra Teca passou a curtir esse novo som. Mas a Teca tem disso. Ela faz a porra que ela quiser. Porque ela é uma mastermind.
O “Midnights” é o filho do “1989”, álbum de 2014 da Teca, e do “reputation”, de 2017. Mas sua madrinha é o “Lover”, de 2019, então ele passa bastante tempo na casa dela também. Apesar da influência direta dos álbuns pop anteriores, por ter sido feito depois da era “folkmore”, que representou o ÁPICE da Teca em termos de composição, o “Midnights” carrega consigo uma sabedoria adquirida ali. A impressão que eu tive assim que o ouvi pela primeira vez foi: isso aqui é pop de gente grande.
As semelhanças e referências a discos anteriores não me deram a sensação de que a Teca estivesse se repetindo. Na verdade, nos meus primeiros contatos com o “Midnights”, ele soou muito fresh pra mim. Só depois de um tempo que comecei a perceber essas semelhanças. Existem elementos nesse novo álbum que ela nunca havia usado antes, como a voz distorcida e super grave dos refrões de “Midnight Rain” e de “Labyrinth” e da ponte de “Dear Reader”; o autotune super marcado da ponte de “Question…?”, dentre outras novidades na produção, assinada pela Teca e por seu parceiro musical de longa data, Jack Antonoff. Ele também produz os álbuns da Lana Del Rey (que faz o backing vocal de uma canção do “Midnights”, chamada “Snow on the Beach”) e da Lorde, minhas outras cantoras prediletas, então aqui em casa existe um altar em homenagem a Jack Antonoff, que Deus o abençoe.
Em vez de me lembrar da própria Teca de outros carnavais, a princípio o “Midnights” me lembrou brevemente o que os pares dela vêm fazendo desde, pelo menos, o final de 2019: bebendo na fonte dos anos 80. The Weeknd, Dua Lipa, Harry Styles. Os três nomes que dominaram nossos dias entediantes deslizando o dedo pelo TikTok no primeiro ano da pandemia. “Midnights” conversa com o que está sendo feito, mas toma para si e entrega originalidade. Na minha humilíssima opinião, é claro.
Para mim, é bem evidente que o novo disco representa uma evolução se comparado aos outros álbuns pop da Teca. Mas um crítico que eu gosto de acompanhar, o Jon Caramanica, do New York Times, discorda. Ele acha que a Teca se repetiu e que tudo que ela fez no “Midnights”, ela já havia feito antes e melhor no “1989” e no “reputation”. Além da crítica dele no New York Times, aproveito para recomendar o episódio do podcast dele, que se chama Popcast, sobre o álbum. É muito divertido porque é ele e mais quatro jornalistas fodas do New York Times discordando em vários pontos. Uma parte deles gosta da música “Karma”; outra acha uma bobeira sem tamanho. Eu tô com a trupe que gosta. Afinal, o carma é um gato ronronando no meu colo porque ele me ama. Coincidentemente, no momento em que escrevo esse roteiro, numa manhã de terça, tem um gato amassando pãozinho no edredom e pedindo carinho na cabeça pro humano dele. Porque ele o ama.
Tá, mas o que essa música tem de tão especial, você, ouvinte imaginário, me pergunta. Explico. E vou tentar ser breve. Entre os anos de 2006 e 2014, a Teca lançou religiosamente um álbum a cada dois anos, sempre no final do ano. Então, pela lógica, e sendo a Teca aquela workaholic com stellium em capricórnio, ela lançaria seu sexto álbum de estúdio no fim de 2016. Mas aquele foi o ano em que rolou tooodo aquele quiprocó com o Kanye West e com a Kim Kardashian (que eu não vou destrinchar aqui, mas tem vasta literatura sobre isso na internet), e a Teca foi #cancelada. A póbi da Teca recebeu tanto hate que se retirou do espaço público por um ano inteiro.
E o novo álbum que, em tese, sairia no fim de 2016, acabou ficando pro fim de 2017. Só que! Esse álbum do fim de 2017 é o “reputation” (meu favorito da Teca, por sinal), inspirado diretamente pelos eventos de 2016. Por conta disso, especula-se que a Teca já estivesse produzindo um álbum antes desse imbróglio todo. E quem acredita nessa teoria chama esse “álbum perdido” de “Karma” (devido a uma série de easter eggs no quais não vou entrar também. É swiftie demais até pra minha cabeça). A Teca, obviamente, estava ciente desses rumores e resolveu fazer o belo do fan service de lançar uma música chamada “Karma”. Mas ela não simplesmente fez mais uma música de vingança, como as do “reputation”. Ela subverteu o conceito e falou sobre como o carma dela é positivo e anda junto com ela.
O refrão é o seguinte: “O carma é o meu namorado / O carma é um deus / O carma é a brisa no meu cabelo no fim de semana / O carma é um pensamento relaxante / Você não tem inveja que pra você não é? / Doce como mel, o carma é um gato ronronando no meu colo porque ele me ama / Se esticando como um acrobata, eu e o carma nos damos bem assim”.
Essa tradução é minha, então não sei se consegui transmitir o espírito da coisa. No trecho final, ela diz: “flexing like a goddamn acrobat”. E atualmente “flexing” tem dois sentidos: flexionar os músculos e contar vantagem em cima dos outros. Que é justamente o que a Teca faz na música (risos). Ela esfrega seu carma positivo na cara de suas nêmesis.
E bota carma positivo nisso, viu? O “Midnights” vem batendo recorde seguido de recorde de vendas e de streams. Ele se tornou o álbum mais reproduzido em um dia na história do Spotify e da Amazon Music. Não vou encher vocês com números e dados (isso é coisa de jornalista, e eu não sou jornalista kkkk), mas uma coisa MUITO notável que aconteceu foi a Teca ter sido a primeira artista ever a colocar dez músicas no top 10 da Billboard. Um, dois, três, até dez, tudo música do “Midnights”. Foi a primeira vez na história do ranking que um homem ficou de fora do top 10. É aquele negócio, né: eu apoio os direitos dos homens. Os direitos dos homens de calarem a porra da boca kkkkkkkk. A Teca é poderosíssima. E ela sabe disso. Tanto que na própria “Karma” ela diz: “me pergunte porque tantos caem no esquecimento e eu ainda estou aqui”.
Tem muito mais coisas que eu gostaria de falar sobre o “Midnights”. Outras letras marcantes, como “eu só sou enigmática e maquiavélica porque me importo”, da faixa “Mastermind”. Ou “você ouviu que o meu narcisismo encoberto se disfarçou sutilmente de altruísmo, como uma espécie de congressista?”, da música “Anti-Hero”, primeiro single do projeto. Ou “no caminho de casa, eu escrevi um poema; você disse ‘que mente brilhante’, isso acontece o tempo todo”, de “Sweet Nothing”, única baladinha de amor e uma das minhas canções preferidas do álbum — meninas, não aceitem menos do que um namorado que diga que você tem uma mente brilhante depois de ler um poema seu, okay? Meninos, aprendam com Joe Alwyn.
Eu acho o “Midnights” um álbum muito sólido que pode ser apreciado por qualquer pessoa que gosta de música (não necessariamente pop ou da própria Teca). Apreciado em diferentes níveis, sabe? Funciona pro ouvinte casual e pros fãs hardcore, que sabem cada detalhe da vida pública e da obra da Teca. Quando falei sobre como ela se inspirou em experiências do passado para escrever o “Midnights”, eu nem comentei que algumas das músicas são claramente sobre os Infames Ex-Namorados. Tem pro supracitado Harry Styles, pro ator Jake Gyllenhaal, pro DJ Calvin Harris e, claro, pro nosso queridíssimo John Mayer, que levou uma pancada tão forte que a cabeça dele tá girando até agora, quase um mês depois do lançamento do álbum.
A música pro John Mayer se chama “Would’ve, Could’ve, Should’ve” e tem uma das letras mais fortes e tristes de toda a carreira da Teca. “Me devolva a minha meninice, ela era minha primeiro.” Aqui eu traduzi “girlhood” pra “meninice” porque não tem um correspondente exato em português. Pode ser juventude, adolescência, inocência etc. Quando eles namoraram, o John Mayer tinha 32 anos e a Teca, 19. E, aparentemente, ele foi um puta dum escroto com ela. Enfim, continuo defendendo os direitos dos homens de calarem a porra da boca. Menos você, Joe Alwyn, pode continuar elogiando os poemas da Teca.
Esses dias cheguei à conclusão de que ser fã de uma diva pop é muito como torcer por um time de futebol: o seu time vence, e você sente que venceu também. Mesmo que você não tenha entrado em campo e seu único trabalho tenha sido ir ao estádio e entoar cânticos de incentivo. Ou, às vezes, nem isso. Às vezes, você ficou em casa, abriu um latão de Brahma e ficou xingando os jogadores o tempo todo. Mas ainda assim, quando eles ganham, você diz: “nós ganhamos”. “Nós batemos o Flamengo.” É exatamente assim que eu me sinto quando a Teca vence. Foi assim que me senti em março do ano passado, quando o “folklore” ganhou o prêmio de álbum do ano no Grammy: meu time venceu.
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