O Centro do Rio é uma crônica pronta

Ana Carolina Santos
3 min readMay 15, 2017

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Dez horas da noite do feriado de São Sebastião. Ando pelas ruas da Lapa com um pequeno sorriso de satisfação no rosto. A juventude festeja, bebe, se alegra. Me dá prazer observá-los, embora eu não faça parte dos festejos (deixem, a falta de concordância é licença poética).

Vejo uma linda menina de black power acariciando a cabeça do namorado, que adormece em seu ombro no 433. Sorrio e não evito exclamar: “Que fofo!”. A menina me olha. Acho que meu arroubo de admiração ultrapassou os vidros e a lataria do ônibus.

Continuo andando. Um carro foi prensado entre dois ônibus naquele trânsito típico da Lapa à noite. Pessoas discutem no meio da rua. Passo entre elas, pedindo licença. A licença não me é concedida, mas passo mesmo assim. O trânsito fica ainda pior. Penso: “Pelo menos não estou num ônibus”.

Sigo em direção à Cinelândia. Fico feliz com a quantidade de pessoas rumando para a Lapa. Um menino com um conjunto florido vermelho; quatro amigas, todas usando saias pretas rodadas de cintura alta (rio da cena porque tenho uma saia exatamente igual àquelas, que uso sempre).

Chego a uma entrada do metrô. Fechada. Vou para outra. Igualmente fechada. Me encaminho para a terceira. Apenas na quarta tentativa obtenho sucesso na empreitada. Que pena, não tem máquina de carregar Bilhete Único naquela saída.

Frustrada, rumo para o Passeio, onde posso pegar o 350 ou o 497. Sorrio ao ver um rapaz com patins de luz azul. Tenho vontade de gritar: “AHAZOU, VIADO!”, mas me freio. Atrás dele, vem o resto da trupe dos patins coloridos e brilhantes.

Antes de chegar ao ponto de ônibus, passa um 350. Corro e aceno como só umx suburbanx sabe fazer, mas minha performance não impressiona o motorista, que passa reto por mim. Vociferando e morrendo de medo de ser assaltada, chego ao ponto. Lá posso pegar o 497 ou o 350. Torço para vir o 497, pois aí teria a remota chance de encontrar com o crush mais à frente.

Depois de longos e aterrorizantes 15 minutos, vem um 350, todo escuro, barulhento, com toda a pinta de que não ia parar pra mim, mas ele para. “Onde você vai descer?”, o motorista pergunta. “Na Vila da Penha”, respondo, cheia de esperança. Ele reflete por alguns segundos e por fim decide: “Entra aí. Eu tava indo pra garagem, mas vou te levar.” Se há palavras mais doces que essas no mundo, eu desconheço.

Vou o caminho todo torcendo pro ônibus não quebrar, não quebrar, não quebrar. O motor reclama, reclama, ruge alto, mas chegamos ao meu destino. Agradeço efusivamente ao motorista. Ao descer, avisto uma moeda de dez centavos. Pego-a e penso “hoje é meu dia de sorte.” Que nada, foi um dia absolutamente ordinário, mas às vezes esses não são os melhores dias?

Escrito em 20 de janeiro de 2017.

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Ana Carolina Santos

Produzo o podcast Caracoles e escrevo sobre futebol na newsletter Posta-restante (https://linktr.ee/santosacarolina)