O trem tá R$ 7,40?! — uma miniaventura pelo ramal Japeri

Com R$ 21,15 no RioCard

Ana Carolina Santos
6 min readOct 15, 2023

Este texto foi originalmente publicado na minha newsletter, Posta-restante, em 27 de setembro de 2023.

Foto: Ana Carolina Santos

Respeito a sabedoria matriarcal. Se minha mãe diz pra levar guarda-chuva, eu levo. Se ela diz pra pegar tal modal pra Nova Iguaçu em vez do outro, eu pego. Moro na zona norte do Rio de Janeiro, relativamente próximo à Baixada Fluminense. Perto de casa, passa o 551 (Penha x Nova Iguaçu). E era ele quem eu planejava pegar. Um onibuzinho só, R$ 5,00, mel na chupeta. Aí começou o terrorismo: “Ai, o 551 passa por lugares muito perigosos, dá muita volta, tem muito assalto na linha, sua tia já foi assaltada nele.” “Tá bom, minha senhora, o que sugere?” Ela me recomendou pegar um ônibus até Madureira e, de lá, pegar o trem até NI. E foi o que fiz. Mama knows best.

Okay, primeiro modal: o 355 (Tiradentes x Madureira) até a terra de Arlindo Cruz. Esqueci totalmente da existência do BRT (Bus Rapid Transit), que transita por um corredor expresso e, como o nome já diz, faria o trajeto com muito mais rapidez. Mas tá bom. R$ 4,30 investidos. Cheguei à estação do trem por volta das 17h40. Precisava estar no Centro de NI às 19h. Tempo de sobra, imaginava eu. Aproximo o RioCard da máquina na roleta e qual foi minha surpresa quando vi a tarifa estampada no visor. Queeeeeê??????? O trem tá R$ 7,40??????????? Quanto tempo eu dormi? Na última vez em que chequei, tava uns R$ 5,50. Por que a gente, enquanto classe trabalhadora, não vai lá na sede da SuperVia quebrar umas vidraças? Para o mundo que eu quero descer!!!!!11

Passado o susto, cheguei à plataforma. Botei um podcast pra ouvir. O tempo foi passando e foi juntando mais gente à espera da locomotiva. Como não tô acostumada a pegar trem, não tava estranhando a demora. Sou uma busão girl, sempre fui. Mas comecei a notar a exasperação das pessoas ao meu redor. Passei a prestar atenção aos burburinhos. Vinte, quarenta minutos de espera e nada do trem do ramal Japeri. Na plataforma ao lado, a pontualidade do ramal Santa Cruz parecia zombar de nossas caras, rir de nossa desgraça. O Japeri só surgiu no horizonte às 18h25. E, com a demora, é claro que ele veio abarrotado de gente. Felizmente, Madureira é uma estação onde descem muitas pessoas, então não foi de todo difícil adentrar a lata de sardinha. Tentei ler o mapa. Eram ao todo nove estações até NI. Minha mãe havia dito que eram umas cinco. Parece que a sabedoria matriarcal tava mais pra achismo.

Um dos poucos lados bons dos sufocos no transporte público é que, em geral, as pessoas riem da situação esdrúxula e se ajudam. Fiquei em pé ao lado de uma moça que aparentava ter uns 30 anos e de uma senhora na casa dos 60. Confidenciei a elas que era minha primeira experiência no Japeri na hora do rush. Elas disseram que geralmente não é assim, não. É mais tranquilo. Outros passageiros nos contaram que um comboio havia quebrado em Engenho de Dentro, por isso a demora e a subsequente ultralotação. Algumas pessoas desceram em Deodoro, estação seguinte a Madureira, então euzinha, muito ligeira, me bandeei pra um local (que eu julgava) mais confortável pra ficar em pé: em frente aos assentos, onde poderia segurar nos balaústres.

Física nunca foi meu forte na escola, então não considerei que, por estar na extremidade do bolo de humanos, teria de suportar todo o peso deles. Enquanto estava no meio, era amparada por outros corpos. Nem precisava segurar em lugar nenhum. Mas uma vez que mudei de lugar… Que força tive de fazer pra não desabar sobre as pessoas sentadas. De frente, estava quase impossível. Virei de lado. Okay, alguma melhora. Me esforçava ao máximo pra não me mover demais e não cometer um assédio sexual ao homem sentado a milímetros de mim. Minhas pernas estavam perigosamente próximas ao almoxarifado de bebês dele.

A locomotiva ficava vários minutos parada em cada estação. Tinha tanta gente nos vagões que as portas automáticas não conseguiam se fechar. Era preciso que os fiscais as ajudassem. Àquela altura, eu já havia dado adeus à ideia de chegar a tempo ao meu compromisso. Só tava tentando ter um mínimo de conforto e segurança ali. Apesar de morar meio perto da Baixada, era ignorante quanto à geografia dela. Não sabia, por exemplo, que a ordem das estações é: Nilópolis (onde fica a escola de samba Beija-Flor), Mesquita (onde fica o Estádio Edson Passos) e só então Nova Iguaçu. Ou seja, o trem passa por outras duas cidades da Baixada antes de chegar ao meu destino.

Eis que, a duas estações de onde eu desceria, vagou um lugar. Esperei pra ver se alguém ia sentar, ninguém o fez e lá fui eu desfrutar do camarote da SuperVia. Por duas estações. Mas tá valendo. Sentei ao lado do rapaz cujo saco escrotal eu tentara poupar. Eu já havia reparado que ele tava com um boné do Fluminense, então claro que na primeira oportunidade que tive, puxei assunto. “Vamo ganhar amanhã, hein?” Era véspera do confronto entre o Tricolor e o Cruzeiro, pela 24ª rodada do Campeonato Brasileiro. O Fluzão venceu por 1 x 0 no Maracanã, com um golaço de falta do uruguaio Leo Fernández. Um dos gols mais bonitos deste ano. A bola tomou um efeito raro de se ver e não deu chance de defesa pro goleiro cruzeirense Rafael Cabral.

O amigo tricolor me mostrou, no celular dele, o vídeo do vice-presidente de futebol do Flamengo, Marcos Braz, caindo na porrada com um torcedor do clube num shopping. Fiquei incrédula. Crise na Gávea. Ainda bem que eu sou do subúrbio. Graças aos deuses do transporte público, cheguei ao destino com apenas 15 minutos de atraso. Mas lamentei profundamente os R$ 11,70 gastos só na ida. Sobraram apenas R$ 9,45 no RioCard para o trajeto de volta. Não poderia repetir a dobradinha trem + ônibus. Fiquei matutando sobre o que faria. Não conhecia o Centro de NI, então tive medo de ir andando até a Rodoviária pra pegar o 551 no ponto final — eu sou a filha da minha mãe. Decidi pegar o trem, fazer a baldeação no Maracanã para o ramal Saracuruna e descer na Penha Circular, a estação mais próxima do meu bairro. De lá, caminharia cerca de meia hora até em casa. Por volta da meia-noite. O que é meio creepy também. Mas pelo menos estaria caminhando pelas ruas coloridas dos bairros que amo e que conheço como a palma da minha mãe — oops, mão.

Contei pra minha mãe sobre o plano no WhatsApp e ela me ligou desesperada. “Naaaaaão, desce em Madureira e pega um Uber pra casa. Eu pago.” Tá bom, né? Eram pra lá de 22h, e o trem tava vazio. Tudo que eu desejava na ida. Porém, naquele horário, era um cenário mais assustador do que qualquer outra coisa. Guardei o celular e fiquei observando a paisagem. Gosto muito de transitar por lugares aos quais nunca fui ou que conheço pouco. Tenho certa sede de aventura. Apesar de já ser adulta há quase 10 anos, ainda acho muito daora poder sair de casa e pegar ônibus, trem e metrô sozinha. Será que um dia vou perder esse encantamento infantil? Espero que não.

Desci em Madureira e pedi o Uber. A corrida deu R$ 15. Minha miniaventura em Nova Iguaçu custou R$ 34,10 ao todo. Mas aprendi a lição e, na semana seguinte, fui e voltei de 551. O que deu só R$ 10. E o trajeto não é nem de longe tão assustador quanto minha mãe pintou. Os monstros estão em nossas cabeças.

Foto: Ana Carolina Santos

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